EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA DE HOJE, QUINTA-FEIRA, DIA 13 DE JANEIRO DE 2022
QUERIDOS AMIGOS, QUERIDAS AMIGAS
No dia 09 de dezembro o professor Paulo Auber Rouquayrol, o pai dos cursos superiores de química no Ceará, completou 90 anos.
Rouquayrol foi um ícone da química orgânica
formador de muitas gerações de químicos e bioquímicos e até de médicos em cujo
currículo antigamente constava a disciplina Química Orgânica.
Em contato recente com seus familiares
tomamos conhecimento da fragilidade de sua saúde. Esteve hospitalizado há
alguns dias, mas está convalescendo em casa, embora ainda não consiga ficar de
pé e andar.
Há cerca de 20 anos, na oportunidade de seus 70 anos, quando teve de a sua aposentadoria compulsória (ou expulsória) decretada na UECE, permitiram-me ler a saudação abaixo:
Deveria deixar
as palavras fluírem ditadas pelo coração. Não conseguiria. Sirvo-me da
linguagem escrita. Quero, na condição de ex-aluno do velho Lyceu de tantas
glórias, saudar o mestre.
Recordo o
professor Paulo Rouquayrol lecionando Química Orgânica na 2ª 2ª da manhã e
Físico-Química na 3ª 2ª da noite. Há algum tempo ele confirmava que ainda se
lembrava de mim envergando o velho jaquetão cáqui de mangas azuis do Lyceu do
Ceará. No Lyceu o jovem Rouquayrol com seu porte eslavo, nórdico ou europeu, a
sua voz de locutor de rádio, impressionava muito mais pelo domínio da matéria e
a organização do quadro onde uma letra bem desenhada registrava fundamentos da
química orgânica e infinitas cadeias acíclicas e cíclicas, homogêneas e
heterogêneas todas saturadas de competente conteúdo.
Sério e
exigente deixou certa feita o Lyceu à noite, pela saída de emergência (portão
dos fundos) depois de um dia inteiro de apreensão ante a ameaça de morte por
parte de um aluno que fora reprovado.
Depois
deixou o próprio Lyceu por não aceitar, em dois anos consecutivos, a aprovação
e a promoção, via secretaria ou direção, quem sabe, de um aluno que não lograra
êxito na disciplina de química que ele ministrava.
Já tive a
oportunidade de confidenciar-lhe que foi ele o culpado da minha escolha pela
profissão de professor de química, abraçada afinal depois de tantos
descaminhos. Diga-se de passagem, que naquela época não existia curso de
Química em Fortaleza. O Instituto de Química só seria criado em 1965, com a
participação de Paulo Rouquayrol, pioneiro dos cursos de química da UFC e da
UECE.
Reencontramo-nos nos Institutos Básicos da UECE em 1967 nas disciplinas de Química Orgânica I e
II. Lá a militância política me afastou praticamente da sala de aula, mas mesmo
assim, nos aproximamos mais e acompanhei seu esforço para manter funcionando o
laboratório de química orgânica muitas vezes assumindo a compra de gás liquefeito
e de equipamentos como termômetros, pipetas e outros.
Em um dos
seus NPCs cuja temática era o estudo de mecanismos de reação, um colega do
curso de Farmácia que não estava preparado, utilizou um artifício genial. Fez
toda a prova em versos, discorrendo sobre todas as funções da Química Orgânica.
E buscou desesperadamente uma rima para o nome do mestre. Terminou a prova com
esta pérola de construção poética:
“Eu já ia me
esquecendo
E uma
injustiça cometendo
Por que não
falar no fenol
E
aproveitar a oportunidade
Para
homenagear de verdade
O meu amigo
Rouquayrol?"
A
inspiração do aluno o salvou. Sensibilizado o professor Rouquayrol não teve
como não aproveitar alguma coisa do poeta improvisador.
Reencontrei
Rouquayrol, alguns anos depois, na banca do concurso que me fez ingressar na
UECE. Saudou-me com entusiasmo e concedeu-me a deferência de sortear o ponto da
prova escrita. Caiu álcoois.
Nossas
relações nem sempre foram tranquilas. Mal-entendidos não lograram turvar a
minha admiração pela sua competência, pela sua integridade, sobretudo, pela sua
dedicação à UECE. JANTAR EM QUIXADÁ
Acompanhei a sua luta pelo laboratório de química, a sua
presença no CEPE e no CONSU onde fomos conselheiros, o seu voto favorável e
corajoso pela criação da Faculdade de Quixadá e a criação , enfrentando a má
vontade reinante e a ação solerte de inimigos declarados ou sub-reptícios da
interiorização da UECE.
ROUQUAYROL NA FECLESC
Depois
disso levei-o a Quixadá para conhecer de perto a Faculdade que ele ajudou a
oficializar e a sobreviver.
manutenção do impraticável campus avançado de Pentecoste de onde foi coordenador e na elaboração de um livro de Práticas de Química sob a coordenação do prof. Fábio Castelo Branco e com a parceria as professoras Nadja Sales e Conceição Liberato. O livro Práticas de Química, foi produzido em 3 edições e recebeu o selo do CNPq que adquiriu 600 exemplares para a distribuição entre professores das escolas públicas do Ceará.
O
professor Rouquayrol nunca utilizou a prerrogativa de chefe de departamento
para reduzir sua carga horária ou se ausentar da sala de aula, ministrando até
dezoito horas semanais.
Não conheço
nenhum caso de em que o Dr. Paulo tenha se recusado a participar de comissões e
de executar trabalhos, os mais diversos, para os quais foi designado pela UECE.
Mesmo aposentado continuou preparado alunos para o mestrado da UFC e de outras
IES.
Acompanhei de perto a sua luta obstinada por
concurso público para professores de química nos últimos anos de sua
permanência na chefia do departamento de química.
Tem sido
característica sua questionar e defender de forma apaixonada seus princípios e
seus pontos de vista. Alguém pode até discordar de sua forma apaixonada, mas
ser ou estar apaixonado não é um defeito, é uma qualidade já ausente daqueles
que não acreditam na importância da profissão que escolheram para exercer.
Paixão na defesa de princípios é virtude. E paixão ele tem de sobra ainda
lúcido no alto de seus profícuos setenta anos.
Exemplos para as novas gerações que, contagiadas pelo pessimismo, adotam o discurso nihilista, negam a Universidade, praguejam contra tudo e contra todos, expõem ranços e rancores, mascarando a sua própria indolência, o seu descompromisso, a mal disfarçada incompetência de construir. Rouquayrol não se limitou a amaldiçoar a escuridão. Acendeu uma vela e, com a sua coragem e sinceridade, afirmou em palavras, gestos e atitudes firmes o que preconiza o dístico inspirado do brasão da UECE: “Lumen ad viam” (Luz no caminho, segundo os que sabem latim) Acendeu uma vela, percorreu desassombradamente o caminho sinuoso e íngreme que tendem a trilhar os verdadeiros educadores, iluminando-o para que muitas gerações possam percorrê-lo com mais segurança, mais conforto e sobretudo com mais esperança.
Parabéns
querido mestre! Muito obrigado pelo seu grandioso legado! Deus o proteja e
livre de todos os males.