Carlos Drummond de Andrade
Papai Noel entrou pela porta dos fundos(no Brasil as chaminés não são praticáveis),entrou cauteloso que nem marido depois da farra.Tateando na escuridão torceu o comutador e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,achou um queijo e comeu.
Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada)e avançou pelo corredor branco de luar.Aquele quarto é o das crianças. Papai Noel entrou compenetrado.
Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos, mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos, soldados, mulheres, elefantes navios e um presidente de república de celulóide.
Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo no interminável lenço vermelho de alcobaça.Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto que lá dentro mulheres, elefantes, soldados, presidente brigavam por causa do aperto.
Os pequenos continuavam dormindo.Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.Papai Noel voltou de manso para a cozinha,apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.
Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.
Extraída do site:
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