EDIÇÃO DE HOJE, TERÇA FEIRA, DIA 11 DE DEZEMBRO DE 2012
QUERIDOS AMIGOS, QUERIDAS AMIGAS
Leiam o que saiu no site da Revista Carta Capital;
Gabriel Bonis
Ceará
11.12.2012 10:11
Há 20 anos, cerca de mil professores da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), Universidade Regional do Cariri (URCA) e
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) vivem um impasse jurídico com o
governo cearense. Os docentes conseguiram na Justiça do Trabalho o direito de
receber o piso salarial da categoria estabelecido em 1986 e suspenso no ano
seguinte pelo então governador Tasso Jereissati (PSDB). O estado perdeu em
todas as instâncias, mas, de acordo com o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª
Região e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), utiliza-se da
Procuradoria-Geral do Ceará para apresentar seguidos recursos (alguns deles
tecnicamente incorretos) a fim de postergar o pagamento dos valores.
Devido à posição do governo, a Justiça
começou neste ano a executar a sentença por meio de sequestros nas contas do
estado. Desde então, os professores passaram a receber parcelas da diferença
salarial referente à adoção do piso. Os valores dizem respeito a pagamentos a
partir de 2007, quando a causa foi julgada definitivamente e a sentença não
cumprida pelo Ceará. Desde abril deste ano foram expedidos nove alvarás para o
saque de mais de 19,9 milhões de reais destinados às três universidades.
A Universidade Estadual do Ceará
(UECE) tem o maior número de professores na ação. Foto: UECE/CE
Os docentes (ativos e aposentados) da
UECE e da URCA receberam quatro parcelas referentes ao período entre agosto e
dezembro de 2007. Na UVA, foram sete pagamentos, quitando também valores de
2008. Em média, com exceção de pensionistas de professores falecidos e outros herdeiros
não beneficiados, cada integrante do processo ganhou de 600 reais a 3 mil reais
por repasse.
E os sequestros continuarão
indeterminadamente até que o governo adote o piso. Quando isso ocorrer, eles
serão suspensos e o estado deverá pagar aos professores as diferenças salariais
entre 1986 e 2007, na forma de precatórios. O valor, no entanto, ainda não pode
ser calculado devido à necessidade de realizar as correções financeiras do
período e porque o governo não implementou a decisão.
“Não queremos quebrar o estado, mas o
governo deixou a dívida virar uma bola de neve”, afirma Gilberto Telmo,
professor aposentado da UECE e integrante da ação desde o seu princípio.
Segundo ele, há disposição da maioria da categoria em negociar os atrasados,
desde que seja adotado o piso.
A briga se arrasta nas cortes desde
1992, quando o Sindicato dos Docentes de Ensino Público do Estado (Sindesp)
procurou a Justiça. Quatro anos depois, foi determinada a reimplantação do piso
salarial. Decisão mantida recentemente pelo TST após diversos recursos do
governo, que não pode mais contestar o mérito do pagamento.
O estado tentou, então, levar a medida
ao Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido para o direcionamento do caso à
Justiça comum. A corte negou a ação em dezembro passado, mas ainda não julgou
os embargos de declaração.
O desejo do sindicato é restabelecer o
piso dos professores entre oito e dez salários mínimos, dependendo, além de
outros fatores, da função, titulação e jornada de trabalho (de 12 a 40 horas
semanais) que ocupavam à época. “Tínhamos o segundo melhor salário entre as
universidades públicas do País, agora temos, talvez, o segundo pior”, lamenta
Luiz Boaventura de Souza, presidente do Sindesp. Atualmente, os salários dos
docentes nas três universidades estão entre 1,3 mil e 8 mil reais.
A decisão da Justiça é válida apenas
para os professores incluídos na ação. Com a demora, 205 deles faleceram e a
maioria dos docentes vivos tem mais de 65 anos. Mas, segundo a
Procuradoria-Geral, que interpõe os recursos no caso em nome do governo
cearense, as tentativas de barrar a execução da sentença são “corretas” e
focadas em um aspecto principal: a quantidade de anos pelos quais os
professores teriam direito a receber.
Para o governo, a
execução deve ocorrer até a data em que os docentes migraram do regime
contratual celetista para estatutário, em 1990. Ou seja, a diferença salarial a
ser paga seria de cerca de quatro anos e não de 25, como desejam os
professores. “O estado do Ceará, portanto, refuta qualquer alegação de
descumprimento de ordem judicial ou de protelação, estando cumprindo o dever
que lhe cabe, sem renúncia, na defesa do erário”, afirma a Procuradoria em nota
a CartaCapital.
“A procuradoria admite a dúvida em
relação às gratificações, mas nunca sentou para conversar. O governador não nos
recebe”, rebate Telmo.
Há uma série de decisões favoráveis aos
professores na Justiça do Trabalho nos últimos anos. O TST enviou, inclusive, o
processo para execução na 4ª Vara do Trabalho de Fortaleza, onde também não
cabem mais recursos. Em despachos, o TRT destacou que o governo demostra “falta
de lealdade” ao não cumprir as decisões e que os embargos são “incidentes
escancaradamente proletórios”.
A execução prossegue, mas como ainda
não há trânsito em julgado no STF sobre a competência da Justiça do Trabalho na
causa, o Supremo alerta que ela “será provisória, pois poderá vir a ser
reformada pela corte”.
Antes de os docentes começarem a
receber parte dos valores do sequestro, um acordo chegou a ser proposto pelo
governo em 2008. Aprovada pelo grupo em assembleia geral, a medida não foi
implementada. “Dizem que somos intransigentes, mas tentaram ganhar tempo com a
negociação para ir ao Supremo”, relata Telmo. “O estado usa de má fé, da forma
mais desonesta possível. Mas não vamos ceder”, completa Boaventura.
O governo cearense não nega a dívida.
Sustenta, porém, que “a base de cálculo está errada” e que os valores do sindicato
são “muito superiores a qualquer parâmetro nacional, estadual ou municipal”,
fugindo da “razoabilidade”. Para o estado, o piso deve ser calculado a partir
da remuneração como um todo, ou do vencimento base “sem a possibilidade de
duplicá-lo e quadruplicá-lo” para atingir até 40 salários mínimos como base,
além das gratificações. “O Estado cumpre o seu dever tentando demonstrar ao
juízo esse erro de execução que entende existente.”
Os professores, por outro lado, negam
que os valores ultrapassem o teto de 14 mil reais do salário do governador.
O não cumprimento da decisão já causa
outros problemas ao Ceará. O estado foi multado diversas vezes por postergar a
adoção da sentença e, desde o início de novembro, o Ministério Público Federal
investiga a conduta de uma das universidades envolvidas no processo. Ao
contrário da UECE e da URCA, a UVA não recorreu da decisão de adotar o piso,
nem conseguiu uma liminar para suspendê-la. Como também não cumpriu a sentença,
entrou na mira do MPF por possível crime de desobediência de ordem judicial.