Nunca entendi o real sentido da palavra Páscoa. Desde os tempos de menino, ouço falar que tem algo a ver com a Semana Santa, esta que assinala os últimos dias de Jesus Cristo na terra, ou lembra sua Paixão. À época, fora o Galileu sacrificado pelo povo romano por haver cometido o delito da perturbação da ordem pública. Esse assunto vem, de longo tempo, sendo tratado pelo cinema, e hoje alguém já tira proveito econômico disso tudo, seja com encenações ao ar livre, seja vendendo peixe, seja barateando, promocionalmente, o preço da carne bovina. Quer dizer, pretende-se ver a Páscoa como uma festa santa e, no entanto, o que se nos apresenta aos olhos é a sordidez e a ignomínia. Por isso, teimo em não entender a Páscoa.
Lá fora, pululam o ódio, o medo e a intranquilidade. As estradas estão apinhadas de carros que buscam praias e serras. No mercado de notícias, as manchetes de jornais sangram fatos escabrosos, estampam crimes hediondos e a torpeza de homens sem escrúpulos, que vendem a alma por menos de trinta moedas. Nas igrejas, fiéis oram, implorando o perdão divino. Outros, entoando uma cantilena monocórdia, caminham horas e horas a pedir, de casa em casa, esmolas para o desjejum. Logo após, dirigem-se aos cemitérios, onde se autoflagelam, lanhando as costas com chicotes, em cujas pontas atam-se objetos cortantes. No movimento rítmico do braço, chagam as costas numa atitude de quem pede perdão a Deus pelos erros e pecados cometidos na vida terrena.
Continuo não entendendo a Páscoa.
Enquanto isso, o Cristo se apresenta diariamente aos olhos de todos, que o olham com indiferença e desdém. Sua presença não agrada. Querem vê-lo de vestes longas, lavadas com sabão Omo; com os cabelos sedosos pela ação protetora de novo “shampoo” (xampu é melhor, é bom vernáculo, mas não é chique) chegado ao mercado da cosmética; com a barba aparada na chiqueza de algum salão de beleza de renome na região palestina. Ele insiste em aparecer, mas é crucificado. Momentos há em que se encontra em semáforos, com uma flanela na mão, enxugando, tal qual Verônica, o para-brisas de automóveis em que seus fiéis se protegem. Outras vezes, em becos escuros e fétidos, nas praças públicas e portas de igreja, cheira cola para amenizar o sofrimento e suportar a dor e a crueza do indiferentismo em volta. Pode estar até mesmo encarnado em meninas, mal saídas da infância, que, por razões nada cristãs, vendem o corpo por mais ou por menos de trinta moedas. Ele insiste em aparecer, mas é sempre crucificado.
Agora, começo a entender mais um pouco a Páscoa!
Em torno a mesas fartas, em que se compartilha a ceia pascal, homens pios comem a não mais se fartar, palitam os dentes e ruminam orações para que suas consciências nunca enxerguem o Cristo que a eles se revela toda vez que abrem suas janelas para a vida lá fora.
É. Entender a Páscoa é coisa meio complicada.
DIZ A WIKIPEDIA, A MAIS POPULAR E DEMOCRÁTICA DE TODAS AS ENCICLOPÉDIAS
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