Ilmo. Sr. Juiz
Manoel Arizio de Castro,
Votos de saúde e paz!
Já é quase a hora bíblica do galo! Mais uma madrugada me surpreende com a atenção concentrada na sua digníssima pessoa, assim imaginada, a partir do eminente título portado.
Pessoalmente não o conheço, contudo o Senhor faz parte da minha vida, desde que chegou ao seu Gabinete, em 12/06/1997, o nosso processo do “piso salarial”. Dez anos após, em 17/10/2007, o nosso processo voltou ao seu Gabinete, e lá tem permanecido até a data de hoje.
Senhor Manoel Arizio de Castro, desde então, feito oração de fiel, cumpro diariamente o ritual de visitar o sítio do TRT, e vejo que a minha vida, bem como a de centenas de colegas e suas respectivas famílias, encontram-se enclausuradas naqueles papéis que estão depositados em suas mãos.
Não se trata apenas de um maço formal de celulose a sofrer intensas dissecações de averiguação legal pois, enquanto isso, há centenas e centenas de vidas que há décadas padecem desse preciosismo legalista, a dizer polidamente. Além de outras cento e dezessete vidas adormecidas para sempre, sem o gozo do direito reconhecido.
A questão fundamental era saber do lado de quem se encontraria a Verdade. A dizer com Platão, tratar-se-ia de saber “quem dentre eles fala verdadeiramente e quem falsamente.”
Após o Supremo Tribunal Federal ter-nos dado ganho definitivo de causa, em 01 de fevereiro de 2007, sirvo-me dessa missiva a reclamar a obediência à decisão do Supremo Tribunal Federal, até agora postergada pelo Governo do Estado do Ceará.
Quem sou eu a ousar em escrever a um máxime guardião da Justiça, reclamando o cumprimento da decisão do STF?
Ilmo. Sr. Juiz, antes de tudo, sou cidadã de uma República, vigente é a Democracia, é o Estado de direito, vale dizer, a mim estão assegurados por lei todos os direitos que asseguram o direito fundamental - o direito à vida!
Mas nesse exato momento, em que me encontro absolutamente indignada com a morosidade no encaminhamento do nosso processo, apelo não mais tão somente às garantias de nossa Carta Magna, uma vez que entendo ser essa dilatada parcimônia, uma forma legal de não cumprir a Justiça. Constrange-me tal pensamento, visto poder estar em engano. Mas amparo em Voltaire, o meu direito de dizer: posso jamais concordar convosco, mas defenderei até à morte, o vosso direito de dizer.
Passo de então a apelar, nas palavras do Monsenhor Quinderé, à Mais Antiga Constituição, precisamente em seu Quinto Mandamento: não matarás (Ex. 20,13).
Sirvo-me da advertência de tão ilustre filho de Maranguape:
“ O preceito cujo estudo concluímos com a publicação deste capítulo não se refere somente à parte material do homem, mas à espiritual, por certo mais valiosa. O conceito de que um homem não se humilha, mata-se, tomou na consciência coletiva a forma de axioma. E fato, a morte moral vence, em crueldade, o homicídio, porque este atinge uma só pessoa e os seus efeitos logo desaparecem, enquanto a infâmia fere, além da sua vítima, os membros da família em todos os graus da geração.” (2006,276)
Constantemente nas minhas reflexões, nas minhas dúvidas, (pois são muitas as noites insones) a propósito da razão do tempo em que se demora nosso processo em seu Gabinete, confesso que mesmo sabedora da “morosidade da justiça”, pus-me a imaginar quais razões justificariam a distensão máxime do tempo à diligente leitura. Comecei a ficar preocupada, ansiosa depois, enfim, indignada com a dilatação do tempo a esse examinar.
Indaguei-me se esse mesmo processo já não havia sido estudado pelo Senhor, há dez anos atrás. Por que então, perguntava –me, o nosso processo não sai daquele Gabinete?
Passei a me sentir moralmente ferida de morte, com a esperança arrancada do meu espírito, os ideais da reta consciência cruelmente ignorados com esse estancamento do processo.
Confesso que cheguei a imaginar, por dias, que o Senhor queria simplesmente fazer o nosso processo dormitar no esquecimento. Nesses dias, em irascível silêncio, julgava ser o Senhor persona non grata, ao meu coração. Estou sendo sincera, ao abrir meu coração angustiado, a quem julgo ser merecedor da minha sinceridade.
A cada vez que olhava o sítio do TRT, lá estava a mesma informação que já sei decorada, e me levantada irritadíssima do computador, igualmente irritadíssima com o Senhor. Outros dias, lá estava eu, repetindo o mesmo gesto esperançoso, mas sem expectativa de haver-se deslocado o processo. Confirmada a expectativa, aceitava-a, um pouco desiludida, mas sem o ímpeto infantil de serem as efetividades realizadas conforme a imediatez do meu desejo.
Mas não sou mais criança, não se trata de um querer infantil de ter o próprio desejo realizado. Trata-se do apelo pessoal de uma cidadã, o de ter a demonstração prática de vivermos sob o signo da Justiça e do cumprimento da Lei.
Hoje, estou a escrever ao Senhor, como escreveria a qualquer pessoa que julgasse honrada: com o coração aberto e a razão argüidora de quem se dirige ao outro, como igual a si, em humano dialogar.
Nesse instante, assim me referindo, estou a fazer do Senhor, uma imagem assemelhada a um cidadão comum, certamente um pouco mais adentrado ao tempo do que eu.
Poderia imaginar uma honrada figura paterna, tal um antigo patriarca bíblico, cumulado com as bênçãos espirituais e materiais, da família, filhos, netos. Imagino ainda, alguém que já deve ter sofrido bastante na peleja da constituição do próprio mérito, alguém que já se alegrou com brincadeiras de criança, fez amigos de rua, ou colégio, ou seminário, ou cidade do interior, com os quais se “danava”, e juntos, sonhavam com o futuro que queriam para si, sempre benfazejo e ridente. Alguns desses amigos são hoje sofridos professores da UECE, já vergados pelo peso da idade, mas ainda com o coração cheio de esperanças.
Provavelmente, a contar com a própria capacidade e o próprio esforço, dedicou toda a sua juventude à ciência que abraçou, o nobilíssimo Direito. Suponho igualmente dominar a Filosofia- a minha amantíssima ciência, como ser possuidor de uma biblioteca invejável! Provavelmente, há de ser cultuador dos latinos, dos inexcedíveis gregos e, quem sabe, assíduo leitor das Sagradas Escrituras.
Será que como eu, o Senhor se deleita com o encontro do profeta Natan com o rei Davi, com a noção paulina de lei e caridade, ou o pondus amoris, de Santo Agostinho? Ou, ainda com a bravura humilde de um João XXIII?
Caro Senhor Arízio de Castro, ando a meditar sobre o Senhor, querendo entendê-lo, além da formalidade legal exigida pela Justiça. Quais seriam as razões pelas quais a minha vida e a de centenas de colegas se mantêm engessadas, junto com o nosso processo, em suas mãos?
É inevitável ao meu coração a lembrança da passagem bíblica (2Sm,11-12), na qual Davi, homem rico e poderoso, possuidor de muitos bens, toma para si Bat-Sheba, esposa de Uriá, e o faz destacado para a primeira linha de combate, a assegurar dele a morte. Após, é visitado pelo profeta Natan que a Davi conta a estória de um homem rico, que ao hospedar um viajante, manda impiedosamente sacrificar a única ovelhazinha do pobre, ao invés de dispor de uma de seus inúmeros rebanhos. Encolerizado, Davi esbraveja que esse homem deve ser merecedor da morte. Somente então o profeta anuncia ser ele, o próprio Davi, este homem! Com a assunção súbita da consciência do pecado, Davi se exaspera de dor, com o coração contrito, e em contrapartida, oferece-nos um dos mais belos salmos à própria regeneração, o Miserere (Sl. 50). A criança que fora gerada pela concupiscência morreu. Após, seria gerado Salomão, o signo da Sabedoria.
Que tenho em mente ao me valer desse excerto bíblico?
Sinto-me como o “pobre”, professora de universidade pública, cuja única ovelha é o próprio salário. Aqueles que no decurso dessas décadas, direta ou indiretamente, esforçaram-se em subtraí-la de mim, assemelham-se ao impiedoso rico.
Contudo, a regeneração dos verdadeiros bens é possível pois, segundo tal ensinamento, todos nós somos defectíveis e perfectíveis. Agir conforme o próprio Bem é ato de bondade, ao invés, agir conforme o bem próprio é ato de maldade. Se o Estado é o representante do nosso bem, agir conforme o Bem, pode significar agir convergindo ou divergindo do Estado; mas jamais, segundo entendo, divergindo do Bem. O Bem, no caso, é o termo principal da relação, em direção ao qual o Estado deve ser aproximado. Caso haja a inversão dos termos, o Bem passa a ser subordinado ao Estado. Seria a inversão entre meio e fim. Se assim o for, faz-se perdido o elo transcendental dos ideais supremos e a rosa-dos-ventos dos valores humanos ver-se-ia aturdida, bem como estaríamos perdidos todos os homens na imanência absoluta dos poderes contingentes disputados. Sabe Senhor, amo muito a humanidade, o compêndio que cada um de nós é, do magnífico esforço desse frágil bicho primordial em perseverar na própria vida, bem como preocupa-me em demasia a herança que deixaremos aos que virão depois. Assim, sinto-me responsável por todos nós.
Por isso, ocorreu-me esse reclamo de justiça, também agora a servir-me de Santo Agostinho, em cuja tradição paulina, ensina-nos a distinção entre a Lei e o Amor. Aquilo que está escrito nas tábuas de pedra, a Lei, não terá serventia à edificação comum se não estiver inscrito no coração, o Amor. Estou mergulhada na 1ª Cor.13 “...mesmo que tenha o saber de todos os mistérios e de todo o conhecimento(...) se me falta o amor, nada sou.”
Nesse mesmo sentido, ainda é sabido que a Lei obriga a que o Mal seja evitado, mas não educa a que o Bem seja amado. Por isso, o sapientíssimo Agostinho afirmar- quem ama não precisa da lei, posto o cumprimento pleno da lei ser obra do Amor.
Diariamente, conforme o meu credo, peço ao Juiz de toda a Justiça, na expressão de Abraão, que a Justiça seja cumprida, o nosso piso salarial seja reimplantado. Creio vivamente nos julgamentos terrenos, eis a razão pela qual tomei a liberdade de me dirigir de forma epistolar ao Senhor. Mas, sobretudo, mantenho meu coração voltado para a inescapável Justiça Divina: o estar nu, no face-a-face, diante de Deus.
Ilmo. Sr. Arízio de Castro, perdão por não usar os termos de referência formais devidos, mas a boca fala do que o coração está cheio! E o meu coração, apesar de se sentir muito entristecido, sinceramente vota ao seu, a justiça e o Amor plenificados.
Através dessa carta personalíssima, espero ter agido de forma prudente, conforme João XXIII: “...prudente é aquele que, tendo-se proposto um fim bom e até nobre e grande nunca o perde de vista, consegue superar todos os obstáculos e chega a bom termo; aquele que, em todos os assuntos distingue a substância e não se deixa importunar pelos acidentes; (...) e, mesmo que não consiga tudo ou não alcance nada, sabe que operou bem (...)”.
Despeço-me, respeitosamente,
Sylvia Leão
Esta obra prima dispensa comentários. Parabéns professora Sylvia Leão por ter arrancado essas palavras do fundo do coração e expressado com tanta felicidade o nosso sentimento comum. São nossos votos que Deus a ilumine sempre.
5 comentários:
PROF. THELMO
um abraço dominical.
Achei a carta da Profa. Sylvia simplismente uma relíquia; com certezqa o Dr. Arizio a guardará....
Sinto-me incapaz de redigir algo semelhante e venho colocar a minha opinião q conteúdo semelhante poderia ser encaminhado ao CID GOMES...
Indormido
Pádua
Prof Telmo apenas uma sugestão sobre a enquete.Talvez fosse melhor dar um destaque maior pois ela fica ao lado e não dá pra visualizar quando se abre o blog.
prolixo = deve ir para o lixo! Porcaria
Registramos aqui nosso repúdio aquele que, tentando se esconder no anonimato, usou o espaço do blog para agredir a profa. Sylvia Leão. Mostra a cara, covarde!!! Assume!!!
Já temos uma idéia de quem se trata. É uma personalidade medíocre e pusilânime que só tem atrapalhado o processo. Fácil de saber não é?
A partir de agora para evitar esse tipo de comportamento todos os comentários serão moderados.
Quero deixar aqui a minha solidariedade a profa Silvia e, lamentar atitudes tão mesquinhas e tão miseráveis.Você que se esconde no anonimato é digno de pena e precisa urgente de um tratamento.
Ana Maria
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