Desobediência às
decisões judiciais (Parte I)
Antonio Pessoa
Cardoso
·
13/6/2012
O bom funcionamento da sociedade depende muito do respeito e da
obediência que se presta às autoridades públicas, seguindo as regras estatuídas
pelas leis.
Se os governantes não respeitam as leis, os juízes não as aplicam com
isenção, os militares desafiam seus superiores hierárquicos, enfim se os
demandantes de uma ação judicial desrespeitam as decisões judiciais o caos se
instala na sociedade e o Judiciário fica limitado a apenas reconhecer o direito
do cidadão, sem autoridade para garantir sua execução. Não se pode viver em
comunidade, buscando sempre algo somente do agrado pessoal, sem observar o
direito do outro.
Assim é que, para a garantia integral de seus direitos o cidadão pode
recorrer sempre ao Judiciário que dispõe do poder de decidir, após o que,
indispensável o respeito e obediência, sob pena de agigantar a impunidade.
Ademais, a legitimidade das instituições situa-se mais nos limites éticos de
suas atividades do que mesmo no terreno de sua legalidade.
A ineficiência dos Poderes Legislativo e Executivo, no atendimento aos
direitos constitucionalmente garantidos ao cidadão, provocou ampliação de
poderes para o Judiciário, que recebeu competência para efetivar a aquisição
dos direitos sociais. É a judicialização política do Poder, estampada na
Constituição Cidadã. Insurgindo contra essa situação, a Câmara dos Deputados
apresenta Proposta de Emenda Constitucional (PEC), já aprovada pela Comissão de
Constituição e Justiça, permitindo ao Congresso Nacional vetar decisões
judiciais. Apesar da absoluta inconstitucionalidade, pela indevida
interferência, não causa tanta perplexidade, porquanto os legisladores já
conseguiram o privilégio da vedação das liminares contra atos ilegais do Poder
Público.
É a abusividade permitida ao Estado para negar ao servidor o direito de
receber imediatamente, com a tutela antecipada, os salários cortados com a
prática de arbitrariedade!
Esse não é o caminho para assegurar o pleno funcionamento da democracia,
mas significa legalizar procedimento que já vem sendo adotado pelas autoridades
públicas, quando desrespeitam as leis e não obedecem às decisões judiciais.
A todo o momento, depara-se com atos do Executivo, recusando-se a
efetivar pagamentos de precatórios ou de não nomear candidato aprovado em
concurso público, o Legislativo que não afasta o deputado das funções
consideradas ilegais e o próprio Judiciário que, em seu beneficio, aplica
interpretações corporativistas às leis. O acinte, nesses casos, reclama
providências e causa preocupações.
Para impedir o desrespeito às
decisões judiciais, no campo civil, aplica-se a multa coercitiva, trazida pelos
arts. 84 CDC e 461 CPC, destinada a
forçar o agente político a cumprir a determinação judicial.
Antes desses dispositivos, a ação
cominatória e a lei de Ação Civil Pública já contemplavam essa punição, objetivando
sempre evitar a transgressão da ordem judicial.
Todavia, a multa mostra-se imprestável e sem nenhum efeito quando
aplicada contra a pessoa jurídica do Poder Público, não recaindo sobre o agente
político, único responsável pela violação. Nesse caso, o transgressor nada
sofre com a punição pelo descumprimento da ordem, mas, ao revés, pode até obter
alguma vantagem política. Os posicionamentos de quantos defendem a restrição,
ou seja, a penalidade aplicada somente ao ente público, mostra-se incoerente, porquanto
se a multa presta-se para vencer a vontade resistente do agente não se sabe
como induzirá um ente abstrato a ceder na pretensão de continuar desrespeitando
a ordem judicial.
O gestor e, portanto o mandatário não sofre penalidade alguma e não se sente
coagido para tomar qualquer providência contrária à sua vontade, apesar de
clara violação à lei, na administração do que é público. Daí porque
indispensável o direcionamento da penalidade ao administrador, único
responsável pelo retardamento da eficácia judicial e único capaz de efetivar o
cumprimento da obrigação imposta. E o raciocínio é muito simples: a pena
aplicada pelo julgador destina-se a fazer com que alguém cumpra decisão
judicial; somente este alguém, pessoa que pensa, sente e pode ser convencida a
tomar essa ou aquela posição, somente esse agente político é capaz de imprimir
qualquer direcionamento à pessoa jurídica, ente inanimado e, portanto,
destituído de vontade para praticar ato, muito menos para intimidar-se com a
pena. E tanto é assim, que o magistrado ao aplicar a multa deverá observar o
caráter psicológico, social e econômico do agente.
Todos sabem que o bolso é a parte mais sensível do homem, mas o
Judiciário insiste em duvidar dessa assertiva, resistindo na aplicação da pena
de astreintes a ser paga pelo agente político. Juízes, desembargadores e
ministros experimentaram punir o representante do órgão público, responsável
maior pelo descumprimento da decisão judicial, mas não há guarida nos
Tribunais.
Além disso, outra dificuldade para promover a coerção no cumprimento das
ordens judiciais está no entendimento pretoriano de que a cobrança de multa só
é possível depois de transitada em julgado a decisão, e, mesmo assim, através
da instauração de processo de execução, medidas que provocam maior descrédito
do Judiciário, porque morosas.
A interpretação restritiva que os Tribunais oferecem ao § 5º, art. 461
CPC, aplicável somente ao réu, porque não anotada também contra terceiro, não
se coaduna com a finalidade da multa coercitiva e distancia da interpretação
ampla oferecida no mesmo artigo ao § 4º, quando se estabelece ser a "multa
diária"; todavia, nem por isso a doutrina e jurisprudência se atrelam à
literalidade e entendem de estender a punição para outra periodicidade, que não
a diária fixada na lei.
Portanto, apenas para ser coerente, não se pode impor a interpretação
literal e restritiva para um dispositivo, § 5º, que não traz a possibilidade de
aplicação também à terceira pessoa, e extensiva para outro, § 4º, que inclui a
palavra diária, mas nem por isso há aplicação literal, estendendo para outra
periodicidade, mesmo sem anotação na lei.
A incongruência prossegue na interpretação oferecida para a prisão civil
do depositário infiel, terceiro que não restitui a coisa na forma do § 3º, art.
666 CPC.
O juiz, mesmo sem ser provocado, pode usar de quaisquer meios
necessários para que haja efetiva obediência ao comando judicial. O rol de
providências enumeradas no § 5º, art. 461 CPC, presta-se apenas para
exemplificação, pois outras poderão ser usadas pelo julgador.
A multa deve está carregada de certa violência do Estado para evitar que
o infrator jamais tome a opção de vê-la concretizada; daí porque não se entende
como admitir sua cobrança somente após o transito em julgado da decisão, mesmo
porque a matéria é de ordem processual e não material. Há quem defenda seja a
cobrança da multa feita pelo próprio magistrado, de ofício, desde o momento no
qual se deu a desobediência, devendo, inclusive, valer-se da penhora online;
aliás, isso já ocorre na justiça trabalhista, mas direcionada para os
grevistas. A justificativa é de que a medida serve para dar satisfação à
sociedade e assegurar a intolerância com o descumprimento da ordem judicial.
Na próxima postagem, a parte 2 do artigo.
Um comentário:
Muito bom.
Veja que ele diz "se ... os juízes não as aplicam com isenção,..."
E no nosso caso, ao longo do processo, lamentavelmente alguns juízes também fizeram isso.
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