EDIÇÃO DE HOJE, SÁBADO, DIA 29 DE NOVEMBRO DE 2008
QUERIDOS AMIGOS, QUERIDAS AMIGAS
Silêncio! Calou-se a nossa voz nesses últimos cinqüenta anos. Aos sessenta e nove anos de uma existência profícua, deixa este cenário terrestre o companheiro Jayme Alencar. Ou melhor, o colega Jayme Alencar, como gostava de ser tratado. Vamos enfatizar: durante cinco décadas o Jayme foi a nossa voz. Aos dezenove, no Liceu do Ceará, já pugnava pela educação, pela dignidade de seus atores, estudantes e professores. Nenhum outro lider classista da categoria conseguiu, com tanta fidelidade e durante tanto tempo, encarnar as angústias e o inconformismo dos professores como Jayme.
É por essa e tantas outras razões que ele vai deixar uma grande lacuna.
Ontem a noite conversávamos com Jane Eyre a filha que ele nos legou, nossa colega de química da UECE. Contávamos de nossas estrepolias nos idos de 67. Da fuga que empreendemos pelas ruas escuras da Estância, imediações do antigo canal 2 (TV Ceará), já relatada no blog. Comentamos também sobre outro episódio. Uma tarde qualquer de 1967 , durante um período de greve, programamos uma manifestação na Praça dos Leões onde funcionava o Palácio da Luz, sede do Governo do Estado. A manifestação deveria começar as 15:00 h. Atrasei-me por um motivo qualquer. Ao chegar ao local encontrei alguns colegas professores dispersos, tristes, formando pequenos grupos. Fui informado, na ocasião, que o Jayme havia subido em um caixote e começado a manifestação na hora aprazada. Não conseguiu concluir seu discurso. Alguns soldados interromperam a sua fala e o conduziram para o corpo da guarda do palácio, a revelia do governador Plácido Castelo, um diplomata que jamais autorizou ou foi conivente com qualquer tipo de truculência contra a categoria. Quem perseguia, a bem da verdade, eram os subalternos encastelados, sem méritos, nas direções de colégios ou em cargos da Secretaria da Educação. Nem mesmo os secretários de educação da época (Lúcio Melo e Ubirajara Indio do Ceará) perseguiram professores. A retaliação era obra de puxa-sacos subservientes e medrosos que, infelizmente, pertenciam a nossa categoria.
Pois bem. Fizemos uma rápida reunião e concluimos que não adiantava enfrentar a guarda palaciana. Talvez fosse pior e outros colegas fossem detidos. Decidimos por outro plano. Juntamos rapidamente os colegas e saimos fazendo mini-comícios, iniciando na própria praça dos Leões, no lado detrás da igreja do Rosário e nas ruas adjacentes. A tática de guerrilhas levava alguém a subir em um poste ou caixote e gritar bem alto "ABAIXO A DITADURA". Reunir um grupo rapidamente e, após algumas imprecações sobre a ditadura, dispersar e reagrupar em outra esquina. A polícia, burocraticamente, esperava voz de comando para atacar e, com isso perdia mobilidade.
Informada dessas atividades, a guarda do palácio esqueceu do Jayme e foi para a rua. O Jayme aproveitou o descuido e fugiu.
Outra feita, íamos realizar uma assembléia no AUDITORIUM do Justiniano de Serpa (que foi transformado em piscina. Quanta criatividade, transformar um monumento em água!)fomos denunciados por um colega professor que era um misto de puxa-saco e leão-de-chácara do diretor
O próprio coronel Mauro, comandante da PM, cedeu seu carro oficial para que fôssemos perseguidos. Ao observar os movimentos, de onde estávamos, na calçada da Igreja do Pequeno Grande, corremos até a Visconde de Saboya, sempre na contra-mão e lá apanhamos um táxi que nos deixou no nosso porto, relativamente seguro, o Restaurante Universitário (CEU).
Foi assim, com muita argúcia e com o uso adequado das pernas na hora certa que driblamos, até onde pudemos, os esbirros da ditadura.
Jayme não ficou incólume. Sofreu perseguições. Refugiou-se na direção do Colégio Demócrito Rocha. E as retaliações persistiram mesmo depois do advento da chamada "Nova República". Esteve presente no listão daqueles que não deviam ser contratados para UECE mesmo depois de superadas com êxito todas as etapas do concurso de 1983, o primeiro concurso público de provas e títulos e que seria um marco importante porque sepultava uma prática de apadrinhamentos e clientelismos na nossa universidade. Mas a tal lista era real. Disse-nos o ex-deputado Everardo Silveira que "coincidentemente todos os vermelhos fizeram concurso para Quixadá". A lista, vista por uma colega sobre os ombros do Reitor padre Luis Moreira, assinalava ao lado de alguns nomes umas estrelas ou asteriscos. Fiquei honrado ao saber que que eu e o Jayme tinhamos cinco (5) estrelas: estava em boa companhia. A partir de então fomos à luta. Jayme orquestrou as reuniões no colégio Brasil. Com a sua posse, continuamos administrando seu legado. Vencemos: mais de 50 (cinquenta) professores foram contratados para Crateús, Itapipoca, Limoeiro e Quixadá, viabilizando assim o processo de interiorização da UECE da maneira mais legítima. Nós não devemos favores políticos. Devemos sim ao Jayme, a sua obstinação. Nós todos, as faculdades do interior, a própria UECE, devemos muito ao Jayme. contraimos uma dívida impagável.
Quando, através pelo voto direto e universal fui eleito diretor da FECLESC, tive uma posse concorrida no dia 16 de agosto de 1987 (Reitor, Pró-Reitores, prefeito de Quixadá) mas, a presença mais importante, porque espontânea, foi a de Jayme Alencar. Fiquei honrado, muito honrado.
Divergimos muitas vezes, no curso de nossas batalhas, quanto ao modus operandi. Divergimos em termos táticos. Convergimos em termos estratégicos. Divergimos no varejo, convergimos no atacado. As divergências jamais obscureceram a estima, o respeito e admiração que pessoalmente sempre devotei ao colega Jayme
Jayme Alencar agora é uma legenda. Deixa para nós todo um acervo precioso de ensinamentos. Deixa mais, muito mais. Deixa conosco a sua filha Jane Eyre, professora de Química efetiva da UECE, servindo na FACEDI, em Itapipoca.
Se é verdade que nossos filhos e alunos são a nossa projeção para o infinito e para a eternidade, Jayme está definitivamente imortalizado.
Obrigado por tudo, colega Jayme Alencar. Um abraço fraterno.
ATUALIZAÇÃO EM 01 DE DEZEMBRO.
O CORPO DO PROF. JAYME ALENCAR SE ENCONTRA AGORA NO JARDIM METROPOLITANO ENTRE A Br-116 E A ESTRADA DO EUSÉBIO, ONDE SERÁ CREMADO.
PEDIMOS AOS SEUS FAMILIARES PARA NOS INFORMAREM A DATA E O HORÁRIO DA MISSA DE SÉTIMO DIA.